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Fertilidade: uma corrida contra o tempo

Conscientização sobre Fertilidade e Saúde

A fertilidade é um tema ainda pouco debatido por amigos em rodas de conversas. Normalmente, o assunto só vem à tona quando se precisa falar sobre as dificuldades de engravidar, enfrentadas por muitos casais. Porém, assim como outros temas relacionados à saúde, a fertilidade deve ser abordada e desmistificada. Dados da Organização Mundial de Saúde (OMS) mostram que cerca de 15% da população no mundo sofre com a infertilidade, e as causas podem ser das mais diversas, muitas delas possíveis de prevenção e tratamento. Estilo de vida, doenças, tratamentos como a quimioterapia, uso de drogas são alguns dos fatores que podem afetar a fertilidade, e precisamos falar mais sobre eles.

Quais fatores podem afetar a fertilidade?

Quem já parou para pensar que o estilo de vida pode interferir nos planos de ter filhos? A obesidade, por exemplo, é um dos fatores que podem ter impacto direto. Estudos comprovam que homens obesos têm a qualidade dos espermatozoides reduzida, enquanto nas mulheres a obesidade pode favorecer o risco de aborto e acarretar irregularidades na menstruação1. A preocupação não deve ser focada apenas em adultos obesos, já que foi constatado que meninas que tenham sido obesas entre 7 e 11 anos de idade têm maior probabilidade de relatar infertilidade na vida adulta2. Dentre os hábitos que prejudicam a fertilidade, há alguns mais inusitados, como o uso de telefones celulares, por exemplo. Além de diminuir a qualidade do sêmen nos homens, um estudo constatou que o uso de celulares também diminuiu a contagem de espermatozoides3. Entre outros hábitos na lista dos mais inusitados, está o consumo exagerado de cafeína (acima de 500 mg por dia)4. O uso de drogas também está ligado a problemas com a fertilidade. A heroína, por exemplo, pode afetar os espermatozoides, principalmente sua morfologia e a motilidade5. Já sobre a maconha, estudos clínicos mostraram um efeito negativo no volume do sêmen, morfologia, motilidade e capacidade de fertilização dos espermatozoides6. O cigarro é outro fator que pode afetar a fertilidade. Pesquisa divulgada pela Korean Society for Sexual Medicine and Andrology mostrou que a concentração de espermatozoides em fumantes foi aproximadamente 24% menor na comparação com homens saudáveis não-fumantes7. Outro estudo, conduzido em clínicas holandesas de fertilização in vitro (FIV), examinou o efeito do tabagismo sobre a taxa de sucesso da fertilização em mais de oito mil mulheres. Os resultados destacam que o tabagismo diminuiu a taxa de nascidos vivos em 7,3%. A taxa de aborto espontâneo por gravidez foi maior para as fumantes em 21,4% em comparação com 16,4% para não-fumantes8. Sobre o consumo de álcool, recentes estudos, divulgados em 2018, mostraram que a ingestão crônica e excessiva parece ter um efeito prejudicial sobre os hormônios reprodutivos masculinos e sobre a qualidade do sêmen9. Além disso, o consumo elevado da bebida foi associado a um aumento da realização de exames de infertilidade em hospitais e menor número de primeiro e segundo partos10. Já dentre as doenças que podem afetar a fertilidade estão a Síndrome do Ovário Policístico (SOP), que acomete entre 12% a 21% das mulheres em idade reprodutiva, e a endometriose. Algumas outras doenças ou fatores do histórico dos pacientes também merecem ser levados em consideração quando se trata de fertilidade, como o histórico de cirurgia ovariana prévia, cirurgia nas trompas (devido a gravidez ectópica, por exemplo), presença de distúrbios hormonais (alterações da tireoide ou outras glândulas) e antecedente de infecções do trato genital (como a doença inflamatória pélvica nas mulheres ou a orquite nos homens). O câncer também tem impacto direto porque tratamentos como a quimioterapia podem alterar o funcionamento dos ovários e a disponibilidade de óvulos saudáveis nos ovários. Além disso, podem também afetar as células que produzem os espermatozoides, impedindo que eles cresçam e se dividam rapidamente, o que reduz seu número e qualidade.

Quando preservar a fertilidade?

Essa é uma questão bastante recorrente para pessoas com câncer, principalmente as mulheres. Calcula-se que, anualmente, 650 mil são atingidas pelo câncer invasivo e 8% delas, cerca de 52 mil, têm menos de 40 anos11. A impossibilidade da maternidade biológica pode ser motivo de grande angústia e realçar a impotência sentida perante uma doença em geral grave. Portanto, a preservação da fertilidade nesses casos contempla a intenção de prover a melhor qualidade de vida possível aos sobreviventes ao câncer, principalmente no Brasil, em que a população é jovem e muitas pessoas podem ter a doença antes de constituir a família12. A preservação da fertilidade também tem sido levantada por mulheres que decidiram adiar a maternidade. Dados mostram que o percentual de mulheres que se tornaram mães entre os 30 e 39 anos saltou de 22,5% em 2005 para 30,8% em 2015. Incomum há algumas décadas, a gravidez entre 40 e 44 anos aumentou mais de 17% entre 2003 e 2014. É importante que as mulheres sejam orientadas que com o passar do tempo, o número e a qualidade dos óvulos tende a diminuir, e a velocidade dessa redução é imprevisível, sendo mais rápida após os 35 anos. A técnica de preservação destes gametas em idade mais jovem pode melhorar as chances de sucesso de uma gestação no futuro, já que permite “parar o tempo” para os óvulos quando forem congelados. Além disso, o assunto tem gerado interesse também em homens que pensam em fazer vasectomia, já que, apesar do aumento constatado no número de cirurgias, cerca de 17% dos homens se arrependem. Nesses casos, se o homem tivesse realizado a preservação dos espermatozoides previamente à cirurgia, teria material armazenado para realizar um tratamento para engravidar, sem que fosse necessário outro procedimento cirúrgico.

Como a preservação da fertilidade pode ser feita?

As técnicas mais utilizadas são o congelamento de óvulos, no caso das mulheres, e congelamento dos espermatozoides, no caso dos homens. Para pacientes com relacionamento conjugal estável, há também a possibilidade de congelamento de embriões. Óvulos, sêmen e embriões podem ficar congelados por período indeterminado. Entretanto, é preciso deixar claro que todas estas técnicas e tratamentos direcionados para a preservação da fertilidade não podem garantir uma gestação no futuro, porém possibilitam o armazenamento de gametas antes que ocorra perda em sua qualidade ou danos à sua produção, potencializando as chances de sucesso gestacional.
Marcelo Rufato

Marcelo Rufato

CRBio 64065/01

Embriologista e diretor dos Laboratórios do CEFERP.
Referências
Perfil no Doctoralia
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